Site Sidney Rezende - 06/09/2007
O caso Varig e o conceito de função social da empresa
*Élnio Borges

Os trabalhadores do Grupo Varig reputam, em todos os sentidos, louvável a iniciativa do SRZD ao cobrir com maior profundidade a “recuperação” da Varig e o resultado desta sobre seus milhares de empregados e aposentados.

Com efeito, a superficialidade das mais diversas notícias no Brasil, de um modo geral, em nada contribui para uma consciente tomada de posição da sociedade frente aos benefícios ou prejuízos coletivos decorrentes de qualquer situação.

Ao publicar as convicções do magistrado responsável pela condução do caso Varig (Luiz Roberto Ayoub) perante a justiça empresarial, em relação à lei que deveria nortear o processo, o interesse público é ainda mais bem servido, pois descobre-se a fonte inspiradora de uma situação que há de ficar marcada na história como emblemática do tempo em que ora vive a Nação brasileira.

Afinal, como a manutenção do nome de uma empresa e menos de 20% dos postos de trabalho originais (restritos a novos empregados e com 50% de redução salarial), pode ser considerado útil à sociedade, refletindo algum sucesso? Só se fosse em relação ao incentivo da atividade empresarial de terceiros!

Para os trabalhadores da Varig vem sendo muito difícil compreender como, supostamente de acordo com a lei, podem ficar sem emprego – os milhares ilegalmente afastados; sem salários dignos – os poucos remanescentes; sem receber seus atrasados – todos; sem as pensões – os mais de 7.500 aposentados; e sem o fundo de pensão – os 10.000 funcionários ativos que para o mesmo contribuíram por até 24 anos.

Mas com a entrevista em tela torna-se possível entender ao menos parte da razão pela qual o processo tomou tal rumo. Possivelmente a mais importante causa de tudo isto esteja na convicção declarada pelo Dr. Ayoub do seu entendimento quanto ao objetivo da lei de recuperação e falência ser, conforme reportado, “manter, sempre que possível, a atividade empresarial da instituição à beira da falência, pois o extermínio da mesma só deve acontecer quando seu funcionamento se mostrar nocivo à sociedade”.

Com a devida vênia, divergimos desta visão estreita. Mas, agora, passamos a melhor entender como um processo presidido com a seriedade característica de tão ilustre magistrado possa estar causando sofrimento a tantos milhares de famílias e mesmo a perda prematura de tantos trabalhadores e aposentados.

É que, data venia, a lei 11.101 (de recuperação judicial) tem escopo muito maior do que a simples manutenção da atividade empresarial.

Ela objetiva, literalmente (art. 47), preservar a função social da empresa devedora (em situação de crise), permitindo não só a sua manutenção, como a manutenção do emprego dos trabalhadores e a manutenção dos interesses dos credores, sendo fundamental entender seu objeto para corretamente aplicá-la.

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Realmente, se fosse possível esquecer os fins sociais da empresa, pouco restaria aos trabalhadores da Varig reclamar. Dizemos pouco, porque não vemos preço para a dignidade humana, para a possibilidade de ganhar honestamente o sustento de nossas famílias, para enfrentar com auto-suficiência o final de nossas vidas; pois ainda teríamos a reclamar os cerca de R$ 5 bilhões a que montam nossos créditos, quase a metade do total devido pela Varig.

Além do acima examinado, que por si só justificaria a reportagem dada sua amplamente reveladora qualidade, outros pontos merecem destaque. Como a consideração de que “caso a empresa fosse posta à venda com todos os seus passivos, o comprador, caso existisse algum, no mínimo ofertaria um preço abaixo do valor de mercado, considerando o risco do negócio” .

Ora, no caso da Varig o “comprador” nada pagou. Absolutamente nada! Levou a Varig em troca de um suposto empréstimo equivalente a US$ 20 milhões, a ser empregado na própria empresa que comprou! E isto enquanto era devedor de quantia maior do que esta à própria Varig! Verdadeiro negócio da China, ou não?

Neste ponto ficou uma lacuna a esclarecer. É quanto à adequação do valor auferido com a venda acima descrita, à declaração de que a ausência de sucessão trabalhista visa a “...atrair interessados que, com o pagamento justo para a aquisição da unidade produtiva, possam recuperar a empresa e, com isso, garantir a manutenção dos consectários que dela decorre” .

E ainda que houvessem sido pagos aos credores US$ 20 milhões, representaria este valor pagamento justo pela Varig? E se representasse, na forma em que foi feito o negócio pelo juízo empresarial, a lei 11.101 de fato prevê a não sucessão trabalhista?

Conforme a reportagem, o Dr. Ayoub discordou de que fosse “a aplicação da lei de recuperação um ‘calote legitimado pela Justiça’, como dizem alguns funcionários”, mas é interessante pesquisar os anais do Senado Federal sobre esta lei determinar ou não a sucessão trabalhista nas alienações promovidas sob a égide do parágrafo único do art. 60, verificando que a questão foi objeto de pelo menos duas discussões específicas e esclarecedoras.

A ata da 15a Reunião Ordinária da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em 02/06/2004, registra ter o Senador Rodolpho Tourinho proposto uma emenda ao texto legal (emenda nº 6), que foi recusada por unanimidade. Posteriormente, o exato teor da mencionada emenda foi reiterado pelo Senador Arthur Virgílio perante o Plenário do Senado Federal, desta feita como emenda nº 12, também recusada.

Pela ata, o intuito daquelas emendas seriam “...modificar o parágrafo único do art. 60 do substitutivo, para estabelecer a não-responsabilização do arrematante pelo passivo trabalhista nas vendas judiciais de empresas no âmbito da recuperação judicial, ou seja, propõe o fim da sucessão trabalhista também na recuperação judicial", com suas defesas argumentando ser “... de fundamental importância assegurar que a aquisição de filiais ou de unidades produtivas de empresas em recuperação, quando feita em hasta pública, não implicará a assunção, pelo comprador, das obrigações do devedor em matéria trabalhista. Com isso, estar-se-á afastando esse efetivo impedimento à recuperação judicial, em favorecimento da manutenção da empresa e, conseqüentemente, da arrecadação de tributos e dos postos de trabalho por ela gerados” .

A deliberação dos senadores em relação às emendas e suas defesas foi a mesma, rejeitando-as: “... porque a exclusão da sucessão trabalhista na recuperação judicial pode dar margem a fraudes aos direitos dos trabalhadores e a comportamentos oportunistas por parte de empresários ”.

Premonitórias ou não as decisões do legislativo acima reproduzidas, aos trabalhadores do Grupo Varig pouco tem amparado a visão de que “o Poder Judiciário e o Ministério Público fiscalizam os abusos que eventualmente decorrem da pretensão de utilização da legislação empresarial para burlar o cumprimento de obrigações” .

Tem mesmo sido difícil discutir flagrantes descumprimentos de preceitos estabelecidos na própria lei 11.101 como, por exemplo, a votação por classe que aos credores trabalhistas da Varig foi negada e o desrespeito à proibição de prazo superior a um ano para pagamento dos créditos trabalhistas, sem ter o MP ou o Juízo garantido que o encaminhamento vigente, apesar da insistência dos trabalhadores, observasse e cumprisse, ao menos, o disposto no art. 54 da lei.

No mais, até os que defendem inexistir sucessão trabalhista nas vendas efetuadas sob a forma do art. 60 da lei 11.101, definem tal forma de maneira totalmente distinta da que foi empregada para a entrega da Varig no caso em questão.

Estes, como é o caso de Fábio Ulhoa Coelho e Carlos Alberto Fonseca de Andrade e Sergio Campinho, por exemplo, entendem que, ao permitir a alienação de filial ou unidade produtiva isolada, a lei pretendeu permitir alienar ativos secundários, que não inviabilizassem a atividade-fim da empresa em recuperação. Por isso a menção expressa a “filiais ou unidades produtivas isoladas”, estas definidas em doutrina como “estabelecimento secundário, cujo gerente tem certa autonomia, mas está vinculado ao estabelecimento principal, pois dele recebe instruções sobre os negócios de maior importância ou gravidade”.

No caso Varig, não restam dúvidas, foi alienada a empresa em sua inteireza e não apenas de uma unidade produtiva isolada ou filial. Assim, se a lei de recuperação judicial excluísse a sucessão exclusivamente nos casos de alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas e se, no caso Varig, o que foi vendido foi toda a empresa até então mantida, é evidente que há sucessão nas obrigações trabalhistas.

Ou, então, quem vai pagar os créditos trabalhistas? A massa restante das devedoras, de passivo superior a R$ 10 bilhões, reduzidas a uma empresa sem um único avião, com uma única rota (de quinta categoria) e mera administradora de alguns imóveis?

Afinal, em que pese o entendimento divergente, a lei 11.101, foi elaborada, promulgada e publicada com a finalidade precípua de: (a) permitir a reorganização, saneamento e manutenção de empresas econômica e financeiramente viáveis – dentro da sua função social, (b) preservar os empregos dos trabalhadores – e suas condições de trabalho e (c) garantir os direitos dos credores – inclusive de propor soluções alternativas; conforme evidenciado no seu texto.

Qualquer outra situação pode ser um sucesso para quem aplica a lei e para quem dela se beneficia, mas nunca para os trabalhadores e demais credores espoliados.

* O comandante Élnio Borges é presidente da Associação dos Pilotos da Varig (Apvar)

Site Sidney Rezende - 26/08/2007
O juiz do caso Varig se explica
Da Redação

Citado na série de reportagens do SRZD sobre o caso da Varig, o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do estado do Rio, esclarece a aplicação da lei de recuperação judicial no caso que envolveu a demissão de nove mil funcionários da empresa, em 2006, sem o devido acerto de contas previsto pela lei trabalhista. Criada em 2005, a lei de recuperação judicial, que sucedeu a lei de falências, foi aplicada pela primeira vez no caso da Varig, o que permitiu o leilão da empresa sem o repasse das dívidas trabalhistas para o comprador. Agora, esse passivo não tem previsão de ser acertado. Os trabalhadores criticam a lei e a atuação da 8ª Vara Empresarial, mas o juiz a defende, esclarecendo detalhes.

Ayoub ressalta que o objetivo da lei é manter, sempre que possível, a atividade empresarial da instituição à beira da falência, pois o extermínio da mesma só deve acontecer quando seu funcionamento se mostrar nocivo à sociedade. Do contrário, a todos interessa a sua existência. Por isso, a lei é marcada por estímulos e atrativos que façam garantir o surgimento do crédito e de investidores. “Em um passado recente, empresas importantes para o Brasil desapareceram do cenário em razão de diversos fatores, gerando enorme perda para todos nós. Citemos os casos Mesbla, Sears e Manchete, que, por certo, ainda estariam cumprindo o seu papel social, caso houvesse uma legislação capaz de protegê-las em casos pontuais de incapacidade momentânea para o cumprimento de suas obrigações”, explica.

A respeito da venda sem o repasse das dívidas, ele esclarece que, caso a empresa fosse posta a venda com todos os seus passivos, o comprador, caso existisse algum, no mínimo ofertaria um preço abaixo do valor de mercado, considerando o risco do negócio. “Trata-se de uma legislação que prestigia o estímulo. Havendo a possibilidade de reerguer a empresa através da ação de recuperação judicial, fica evidente que ao pretendente há de se conferir um mínimo de certeza quanto à proteção do negócio jurídico”, diz. Ele explica que essa garantia de proteção também atrai mais interessados e, conseqüentemente, uma maior concorrência, que resulta no aumento do preço. “Assim, maiores são as chances de recuperação da empresa enferma através da injeção de recursos para reerguê-la”, afirma.

Segundo Ayoub, não são só os funcionários insatisfeitos com a lei, ela também recebeu duras críticas no meio jurídico. “Prematuramente, colocaram-se a criticá-la sem um exame mais cuidadoso. Repita-se, o propósito da novidade legal está em emprestar estímulos e atrativos para sensibilizar o investidor. Do contrário, sem garantias, dificilmente alguém apoiaria qualquer projeto de reorganização empresarial. O credor deste momento é diferente do credor anterior e a preferência objetiva estimulá-lo a injetar o necessário capital”, esclarece.

A sucessão da empresa e as dívidas trabalhistas

O ponto alto da discussão no caso da Varig é o da sucessão fiscal e trabalhista da empresa. Afinal, 9 mil funcionários foram demitidos após o leilão, sem receber nada. De quem é a responsabilidade do acerto de conta com os trabalhadores? Dos novos donos? Da massa falida? Como os funcionários ficaram sem nada e não foram atendidos segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?

O juiz reconhece que o tema é repleto de controvérsias, e que as esferas trabalhista e empresarial divergem. O fato de a lei ter sido aplicada pela primeira vez no caso da Varig, não tendo outros processos como referência ou base, também dificulta o entendimento entre as partes. “A nova legislação, carregada de estímulos, está sujeita a imperfeições que decorrem da ausência de uma jurisprudência dos tribunais superiores que, no momento oportuno, orientarão o caminho a ser trilhado por todos os personagens envolvidos. Por enquanto, a controvérsia é saudável e auxilia a formação de uma convicção a respeito do tema”, diz.

“Louva-se a posição defendida pela justiça obreira que, em nome da proteção do trabalhador, pretende ver reconhecida a sucessão trabalhista. Contudo, a posição adotada pela justiça empresarial, nada obstante os enfoques divergentes, também prima pela manutenção do emprego. Ocorre que o entendimento parte da premissa de que o emprego depende da existência da empresa. Sem ela, não há falar-se em empregos e, certamente, a sua ausência emprestará prejuízos não só aos trabalhadores, mas a toda coletividade. Assim, entendo que a existência de qualquer espécie de passivo, por ocasião da alienação dos ativos, acarreta no afastamento de eventuais interessados. A questão está disciplinada nos art. 60, § único e 141, II, respectivamente, em recuperação judicial e falência, ambos da lei nº 11.101/05”, explica.

Confirmada a controvérsia entre as jurisdições trabalhista e empresarial, o Ayoub lembra que o Superior Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência nº 61.272, decidiu, por unanimidade, ser da esfera estadual (onde está em trâmite a ação de recuperação judicial da Varig) a competência para dizer a existência, ou não, da sucessão trabalhista. “A conclusão é pelo reconhecimento da ausência de qualquer espécie de sucessão trabalhista ou fiscal, objetivando conferir atratividade ao ativo e, conseqüentemente, atrair interessados que, com o pagamento justo para a aquisição da unidade produtiva, possam recuperar a empresa e, com isso, garantir a manutenção dos consectários que dela decorre”, diz.

O juiz utiliza trechos de livros que explicam o texto da lei de recuperação judicial para ilustrar o caso.

[...] “A forma de quitação dos créditos trabalhistas será objeto de disposição no plano de recuperação, não tendo sentido criar-se sucessão do arrematante. A alienação judicial em tela tem por escopo justamente a obtenção, frustrando-se o intento caso o arrematante herde os débitos trabalhistas do devedor, porquanto perderá atrativo e cairá de preço o bem a ser alienado.”

Sérgio Campinho, “Falência e Recuperação de Empresa”, ed. Renovar, pág. 173.

[...] “prevalece o entendimento esposado no art. 60, parágrafo único da LRF, também com relação ao credor trabalhista, no sentido de inexistência da sucessão do empregador. A par dessa conclusão, temos, conseqüentemente, de chegar à outra que é a da rescisão do contrato de trabalho quando existe a transferência de estabelecimento decorrente do plano de recuperação judicial [...]. Ressalta-se que o devedor continua a existir, tendo responsabilidade pelo pagamento de todos os direitos de seus empregados. Só não se admite que os empregados que trabalhavam no estabelecimento alienado, em decorrência do plano de recuperação judicial, exijam do arrematante os valores anteriores à alienação. Não existindo a sucessão, não se pode exigir a manutenção dos demais ajustes entre empregado e o antigo empregador em relação ao arrematante”.

Marcelo Papaléo de Souza, “A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho”, ed. LTr, pág. 188

Segundo Ayoub, o professor da citação acima reconhece a restrição a um direito fundamental dos trabalhadores, conforme artigo 7º da Constituição da República. “Pode-se dizer que o aparente conflito existe, tão só, entre os interesses apenas imediatos do empregado e os seus interesses de médio e longo prazo. Se privilegiarmos aquele, destruiremos estes”, diz. “Decorre daí, o reconhecimento da inexistência de qualquer direito absoluto, bem com a necessidade de flexibilização de institutos do direito, rígidos até então, tudo a depender do exame do caso concreto. A prevalência de um interesse sobre outro, deve ser analisado a partir do princípio da proporcionalidade, à vista da hipótese concreta”, completa.

O juiz ressalta que não se trata de negar vigência à legislação trabalhista. “A ela rendo todas as homenagens. De fato, o que se pretende é conferir um tratamento especial nas hipóteses em que as empresas estejam submetidas à recuperação. E só! Do contrário, não estando sujeitas ao regime da lei de recuperação, nenhuma interferência haverá. De outra forma, a competência da justiça estadual, atraída pela ação de recuperação, fica limitada à declaração da existência, ou não, da sucessão trabalhista. A lide trabalhista, por óbvio será resolvida pela justiça especializada”, explica.

Seria então a lei de recuperação um “calote legitimado pela Justiça”, como dizem alguns funcionários? Ele entende que não. “A utilização fraudulenta do instituto da recuperação - como alguns têm sustentado - não guarda nenhuma pertinência. Com efeito, o Poder Judiciário e o Ministério Público fiscalizam os abusos que eventualmente decorrem da pretensão de utilização da legislação empresarial para burlar o cumprimento de obrigações. É fato que, nada obstante a tenra idade da legislação, vários pedidos de processamento de recuperação empresarial foram indeferidos, pois notadamente pretendiam descumprir o propósito legal. Diga-se, inclusive, que o deferimento da recuperação depende do preenchimento de rigorosos requisitos dispostos no art. 51 da LRE”, diz.

Declarações finais

O juiz frisa que a nova legislação, ainda que muito jovem, merece crédito e deverá ser interpretada de modo a garantir o funcionamento de organismos responsáveis pelo desenvolvimento do país. “Seu sucesso dependerá da postura pró-ativa dos magistrados que devem buscar interpretar as normas jurídicas sem perder de vista as conseqüências econômicas. É uma situação nova, até então desconhecida dos personagens do direito. O impacto dos pronunciamentos judiciais na economia, especialmente na hipótese de recuperação judicial, é enorme, merecendo, por isso, redobrada atenção de um novo judiciário que figurará como verdadeiro partícipe do desenvolvimento da nação”, conclui.

Site ADITAL (www.adital.com.br) - 24/07/2009
Aviação comercial brasileira hoje: Caos, não. Incompetência mesmo!
Trabalhadores do Grupo Varig

Em que pese à comoção provocada pela tragédia ocorrida nesta terça-feira (17/07) com a aeronave da TAM, no aeroporto de Congonhas, é fundamental alertarmos a opinião pública, para que encare o cenário caótico, instalado no setor aéreo brasileiro, como prova da incompetência administrativa e operacional dos órgãos e "autoridades" responsáveis por sua regulação e fiscalização.

Do contrário, acabarão convencendo os cidadãos-contribuintes, usuários do transporte aéreo, de que os problemas ora verificados - aliás, com freqüência inadmissível - são aceitáveis ou contornáveis. A verdade é que, num ambiente aéreo saudável, jamais seriam sequer tolerados e muito menos "compreendidos".

Para nós, trabalhadores da aviação comercial, o acidente de ontem, tanto quanto a colisão entre o 737 da GOL e o Legacy, em setembro de 2006, as sucessivas derrapagens de aeronaves, os atrasos e cancelamentos de vôos, ou a venda de passagens além da capacidade das aeronaves (overbooking), não são fatos isolados. Compõem, isto sim, o quadro de desorganização generalizada, imposta ao setor pela incompetência dos que deveriam garantir uma aviação confiável e segura.

Infelizmente, um conjunto de fatores nocivos vem provocando, já há algum tempo, a deterioração da infra-estrutura e das condições de segurança do setor aéreo no País.

O corte absurdo de recursos financeiros; o sucateamento de instalações e equipamentos; o descaso com o preparo e as condições de trabalho do pessoal responsável pelo controle dos vôos; a imposição de uma agência reguladora (Anac) que não possui sequer orçamento próprio ou diretoria conhecedora das sutilezas e necessidades do setor.

Uma agência reguladora que está mais a serviço das empresas aéreas do que salvaguardar os interesses do país e do cidadão contribuinte que é usuário do transporte aéreo.

Todos esses elementos foram se somando a outros, ainda mais traumáticos, como "deixar falir" uma Varig S/A, para que o "mercado" se encarregasse de absorver as perdas e danos, além dos milhares de postos de trabalho extintos.

O desmonte da maior empresa de aviação da América Latina, cuja correção operacional era reconhecida mundialmente, foi uma prévia do que pode acontecer, quando se trata como assunto político aquilo que deve ser puramente técnico.

Faltou lisura, profissionalismo e respeito. Sobraram indicações e apadrinhamentos, além de fórmulas mirabolantes para arrecadar o dinheiro indispensável a "fazer funcionar" a Anac, que não tinha sequer recursos previstos no orçamento da União. Neste aspecto, aliás, sofrem hoje os pilotos brasileiros, obrigados a pagar quase dois mil reais a cada renovação de suas licenças de vôo - valor quase dez vezes maior do que pagavam há cerca de um ano (!).

Temos, então, uma Infraero que cobra aluguéis exorbitantes pelo estacionamento das aeronaves, além das incontáveis taxas aeroportuárias, enquanto remodela as fachadas dos aeroportos, mas não zela pelos dispositivos técnicos destinados a dar mais segurança aos pousos e decolagens.

Temos uma Aeronáutica esvaziada, desprovida de autoridade e de mecanismos de autogestão, dividida entre um último esforço para regularizar o caos do setor e a consciência de que qualquer trabalho técnico poderá ser desmontado, a qualquer momento, por um decreto ou ato administrativo do governo federal.

E temos uma agência reguladora que não regula nem fiscaliza, não exige, não acompanha - mas transfere para as companhias aéreas a ira dos cidadãos-usuários-contribuintes, quando estes são vítimas de atrasos, maus tratos ou, em situações extremas, de tragédias como as recentes.

A verdade é que conseguiram desestabilizar um dos últimos setores que atuavam com segurança no Brasil - o setor aéreo. E a nós, trabalhadores e cidadãos, o que ainda nos falta? Certamente, a consciência de que autoridades, eleitas ou indicadas, devem atuar de forma competente para melhorar o modo de vida dos cidadãos. E a cobrança efetiva, pelos cidadãos-contribuintes, do retorno de cada centavo de imposto pago, sob a forma de bem-estar e, principalmente, segurança.

Basta de incompetência! Aviação precisa de segurança e eficiência operacional.

Até quando, senhor presidente?

Trabalhadores do Grupo Varig

"Por ser absolutamente certo e inquestionável que não houve a venda pura e simples de uma filial ou de uma unidade produtiva isolada da Varig para a VRG, o egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando for chamado a examinar os fatos ocorridos antes, durante e após o leilão judicial e a decidir a matéria, fará coincidir os ideais de certeza e justiça e declarará que a compra da Varig pela VRG não foi realizada sob o amparo do parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101"

Valor Econômico - 06/08/2009
A venda da Varig e a nova Lei de Falências
Jorge Lobo

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF),durante a sessão plenária em que julgaram o Recurso Extraordinário nº 583.955-9, do Rio de Janeiro, decidiram, por maioria, ser "competente a Justiça estadual comum, com exclusão da Justiça do trabalho, para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial", havendo, no penúltimo parágrafo da fundamentação do voto condutor, um manifesto equívoco, que pode gerar péssimas consequências se não denunciado e reparado. O voto afirma categoricamente que "a controvérsia examinada nesse recurso extraordinário tem origem na venda de um ativo da referida empresa (a Varig), submetida a processo de recuperação judicial, em hasta pública, nos termos do parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101, de 2005".

Em verdade, na recuperação judicial da Varig, não houve apenas "a venda de um ativo da referida empresa", nem, tampouco, somente a alienação de uma "filial" ou de uma "unidade produtiva isolada", de que trata o parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101, como demonstrarei a seguir com fundamento em fatos e provas documentais de domínio público, como soem ser o edital de alienação judicial e o auto de leilão da Varig.

Uma leitura atenta do edital de alienação judicial, publicado na imprensa oficial e em jornais de grande circulação, e do auto de leilão da Varig, entranhado nos autos do processo, leva à certeza de que foram vendidos à VRG (1) Todas "as marcas de titularidade das empresas recuperandas que contenham a expressão 'Varig' em suas formas figurativa, nominativa e mista, em todas as suas formas e classes, bem como demais marcas de propriedade da Varig, com exceção das marcas Rio Sul e Nordeste e suas variações"; (2) Todas "as rotas domésticas e internacionais, slots e hotrans nos aeroportos domésticos e internacionais e áreas aeroportuárias nacionais e internacionais atribuídos às concessionárias Varig e Rio Sul, vigentes em março de 2006, mas excluindo Certificados de Homologação de Transporte Aéreo (Cheta), slots (espaços de voos) e os hotrans (horários de voos) pertencentes à Nordeste"; (3) Todas as "operações de transporte aéreo regular nacional e internacional da Varig e Rio Sul, incluindo os Cheta da Varig e da Rio Sul"; (4) Todos "os contratos das recuperandas" necessários ao desenvolvimento das atividades administrativas, comerciais, operacionais ou técnicas; (5) Todo "o complexo de bens e direitos relacionados à operação de voo, excluídos os bens imóveis de propriedade das empresas recuperandas e o ativo circulante pertencente às mesmas, à exceção dos bens e direitos do ativo circulante relacionados a obrigações de transporte a executar e saldo porventura existente de reservas de manutenção e de garantia relacionadas aos contratos de arrendamento das aeronaves"; (6) Todos "os manuais, logs, bancos de dados, softwares e sistemas de hardware necessários à operação"; (7) Todos "os bens e direitos relacionados ao programa Smiles, além de todas as obrigações constituídas de boa-fé atinentes a tal programa" (idem); e (8) Todos os bens móveis, "exceto obras de arte e móveis e utensílios da sede não relacionados à operação".

Em consequência, a Varig, que foi a maior e melhor companhia aérea do Brasil e da América do Sul, com uma frota de 70 aeronaves - 58 em operação no início do processo de recuperação judicial - e voos regulares para 21 cidades do exterior e 32 do país, após o leilão judicial, (1) ficou reduzida a apenas um avião, parado no solo por falta de peças de reposição, e a uma única rota de inexpressiva importância econômica (São Paulo-Porto Seguro); (2) não lhe restou sequer a consagrada marca Varig, eis que também foi vendida, nem, outrossim, logrou manter o Cheta, documento essencial para a exploração de transporte aéreo de passageiros e de carga, nem, ademais, permaneceu com os slots e os hotrans.

Por isso, ao ler e reler o voto condutor do Recurso Extraordinário nº 583.955-9 do Rio de Janeiro, em especial seu penúltimo parágrafo, recordo a lição de Carnelutti, em seu célebre ensaio "La certezza del diritto", publicado na "Rivista di Diritto Processuale Civile" em 1943, segundo a qual a certeza, no direito, tem um custo terrível, e que só se a consegue sacrificando a justiça - daí porque o eminente jus-filósofo defendeu a tese de que há uma antítese entre certeza e justiça. Sem adentrar no mérito da polêmica afirmação de Carnelutti - eis que, no plano abstrato, em um mundo ideal, a certeza e a verdade devem necessariamente desaguar na realização da justiça - no campo dos litígios singulares entre sujeitos singulares no mundo concreto, cujas decisões, sentenças e acórdãos cabem a homens falíveis, por vezes, de fato, há uma nítida e inconteste antítese entre certeza, verdade e justiça.

Por ser absolutamente certo e inquestionável que não houve a venda pura e simples de uma filial ou de uma unidade produtiva isolada da Varig para a VRG, o egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando for chamado a examinar os fatos ocorridos antes, durante e após o leilão judicial e a decidir a matéria, fará coincidir os ideais de certeza e justiça e declarará que a compra da Varig pela VRG não foi realizada sob o amparo do parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101, razão pela qual a VRG, como sucessora universal da Varig, responde por todas as obrigações e dívidas, de qualquer natureza e espécie, da sucedida, daí aplicar-se ao caso concreto: (1) quanto às obrigações e dívidas em geral, o artigo 1.146 do Código Civil; (2) quanto às obrigações e dívidas tributárias, o artigo 133 do Código Tributário Nacional (CTN); (3) quanto às obrigações e dívidas trabalhistas, os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Jorge Lobo é advogado, mestre em direito da empresa pela Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ) e doutor e livre docente em direito comercial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

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Aviação comercial brasi-
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